Sessão extra

Jéssica Brandelero
2 min readJun 27, 2021

Juliana me pergunta por quê. Eu olho pra parede mofada por detrás da tela e digo que não sei. Quando ela fala comigo, eu olho pra ela. Quando eu falo com ela, não sei se ela olha de volta. É que o mofo me tira a atenção, embrulha o estômago e escancara a mania infeliz de procrastinar.

[Tinta antimofo, vai ter que ser. Mas não agora porque o inverno recém começou e a umidade pode piorar.]

Eu gosto das conversas com a Juliana, mas nem por isso me sinto confortável com ela. Ou com as conversas. Meu irmão, que passa os cinquenta minutos ouvindo trance e fazendo flexão no quarto ao lado, me encontra pela casa e diz que terapia boa é terapinga. E eu me pergunto quando é que a gente muda tanto assim. Por gente eu quero dizer qualquer pessoa. Eu, tu, ele. Um dia é uma ou várias coisas, aquilo ou aquele. E no outro tá lá, com um filho agarrado nas tetas e dizendo que o ex namorado da adolescência já não é mais o mesmo.

[Esse troço de academia e balada eletrônica, não faz sentido, não combina com ele.]

Tem muita coisa que eu quero falar com ela, com a Juliana. Mas começar uma história assim, do nada, com tempo contado, eu fico meio embananada. Aqui, por exemplo, eu venho e vou e vou e venho até que sai alguma coisa. E se não sai, eu faço de conta que nunca existiu. Na maioria das vezes não existiu mesmo.

Semana passada me dei conta que reclamei da mesma coisa que reclamei na semana retrasada por quarenta e cinco minutos. No final, contei uma novidade boa como quem tenta convencer os presentes de que não tá tudo tão ruim. É que não tá tudo tão ruim mesmo, mas me agarro na esperança de que pode ser melhor que isso.

Dezessete dias depois chorei a morte da Sophie como quem vomita a comida pesada e parada na barriga há dezessete horas. A mesma dor na garganta, azedume na boca e vazio por dentro. Brotei água como a parede mofada em semana de chuva. A tinta vai ter que esperar, a umidade só piora.

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